sábado, março 05, 2005

Introdução

Antigamente...

Esta palavra serve de mote para muitos idosos começarem a desatar um novelo de recordações, para desabafarem as suas mágoas, para manifestarem o seu espanto perante tanta coisa que hoje em dia é novidade para eles. Muitos de nós ouvimos aos nossos avós histórias que começavam com essa palavra. Na minha família, tive vários avós e tios-avós que gostavam de contar histórias de antigamente. Infelizmente já existem poucos representantes dessa geração. Ficam as memórias e alguns objectos pessoais como recordação desses entes queridos.

Do meu avô-paterno tenho poucas recordações. Lembro-me de um senhor velhinho, que se sentava no topo da mesa, e que se sentava numa certa cadeira da sala de estar. Faleceu em 1969, quando eu tinha cinco anos. Depois a figura do meu avô foi sendo construída na minha mente pelas recordações que me foram transmitidas pela minha avó, pelas histórias contadas pelo meu pai, e por algum comentário que ocasionalmente faziam a meu respeito: "És mesmo parecido com o teu avô!"

Entre vários objectos pessoais do meu avô, que a minha família conserva como recordação, encontrei recentemente várias colecções de fotos e bilhetes postais. Alguns foram-lhe enviados por familiares e amigo que viajavam por esse mundo fora; outros são colecções adquiridas durante as suas diversas colocações como militar, e também durante as suas comissões no sul de Angola (1915-1916) e na Flandres (1916-1919). Algumas dessas colecções eram pequenos "blocos de postais", encadernados como se fossem um pequeno livro; outras dessas colecções são postais avulso guardados em envelopes onde se identifica o seu conteúdo: "Sul de Angola 1916", "S.Vicente 1914", "Penafiel 1923" ou "Pico e Flores 1914".

Então quem era o meu avô?

António Monteiro de Oliveira nasceu em 1883, em Carnide; era filho de um professor do Colégio Militar e seguindo a tradição familiar, estudou nesse mesmo Colégio, tendo terminado os estudos graduado em segundo-sargento estudante. Seguiu o curso de Medicina em Lisboa. Durante as greves académicas de 1906, a sua militânica monárquica leva-o a "dar umas bengaladas" nos piquetes de greve republicanos que impediam a entrada dos alunos na universidade. Essa militância acabaria por lhe trazer dissabores quando acabou o curso: a República fora implantada e um monárquico dificilmente arranjava emprego.

Em 1913, juntamente com outros colegas monárquicos, decidiu concorrer para uma vaga no exército. Parecia ser um emprego tentador: a tropa só admitia gente saudável, pelo que se antevia uma vida descansada. Fruto da sua frequência do Colégio Militar, o Alferes-Médico Monteiro de Oliveira foi rapidamente promovido a Tenente.

Mas, no ano seguinte, os acontecimentos mundiais alteram uma perspectiva de vida tranquila. No Sul de Angola, frequentes incidentes com forças alemãs (provenientes do Sudoeste Africano) e uma situação de sublevação generalizada entre a "população indígena" (cuanhamas e cuamatos) levam o governo português a enviar um contingente militar para aquele território. Esse contingente chegou a Angola em 1914, comandando pelo Tenente-Coronel Alves Roçadas, sendo reforçado no início do ano seguinte, por uma segunda expedição comandada pelo general Pereira d’Eça[1]. Foi nesta segunda expedição, e integrando um Esquadrão de Dragões, que seguiu o Dr. Monteiro de Oliveira, como oficial-médico[2].

Embora Portugal não estivesse em guerra com a Alemanha, os submarinos alemães tropedeavam frequentemente os navios neutrais, e quando se tratava de navios portugueses a caminho de Angola era do seu interesse fazê-lo. Assim, os navios mercantes eram escoltados por unidades de escolta improvisadas (por vezes, velhos navios de cabotagem reduzidamente artilhados) [3]. O paquete que transportava a expedição de Pereira d’Eça, também foi escoltado por um velho navio de guerra; a marcha lenta deste último limitou o avanço do paquete, até que houve necessidade de fazer escala em Cabo Verde, para realizar grandes reparações no navio militar. Nesta ocasião, o comandante do paquete decidiu assumir a responsabilidade de seguir sem escolta – bem mais depressa – garantindo que não atrasava a concentração da expedição em Luanda.

Naquela cidade o Dr. Monteiro de Oliveira pôde encontrar-se com um primo, o capitão-tenente Joaquim Mata Oliveira [4] que estava na guarnição de uma divisão naval. Estacionada em Luanda. Antes de seguir para o Sul deixou-lhe cartas para a família, pois daí para a frente os correios não eram fiáveis. A expedição desembarcaria finalmente em Moçâmedes, onde seria saudada pelo Governador Norton de Matos. Seguiram-se várias movimentações e operações militares no Sul de Angola até ao momento em que a sublevação foi dominada e os alemães definitivamente repelidos.

Em 1916, o Dr. Monteiro de Oliveira regressou à metrópole, e foi destacado para Tancos (o perímetro de Tancos era o na época o principal centro de treino militar dessa época). Preparava-se a intervenção militar na Flandres ao lado dos Aliados. Nos dois anos seguintes o Capitão António Monteiro de Oliveira integrou o CEP (Corpo Expedicionário Português). Só regressaria definitivamente a Portugal em 1919.

Nos anos seguintes foi colocado em várias localidades do nosso país; também teve de se deslocar a diferentes vilas e cidades para fazer tratamentos e visitar doentes.

Dessa vida em constantes andanças de um lado para o outro, foi guardando bilhetes postais como recordação. Essa colecção de postais foi-me entregue recentemente. Mostram imagens de um mundo que já não existe; parecem-me ser um testemunho importante de uma época da nossa história. Pessoalmente, e porque tenho o "bichinho da história", achei estes postais muito interessantes.

Creio que as imagens contidas nesses postais nos dão uma imagem daquilo que era o nosso mundo há quase cem anos. Imagino que para quem nasceu ou vive nessas vilas e terras, estes postais terão um interesse acrescido. É para dar a conhecer essas imagens que este blog existe. Para ajudar a mostrar como era este mundo. Antigamente.


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NOTAS
[1] – Pereira d’Eça foi Ministro da Defesa até comandar a força que iria reforçar o contingente português em Angola.
[2] – Sobre a Guerra em Angola(1914-1916, ver Portal de História - A Guerra em Angola.
[3] – É conhecida a história da escolta do draga-minas Augusto Castilho ao paquete S. Miguel. Quando um submarino alemão se preparava para atacar o paquete, o pequeno draga-minas lançou-se sobre ele, conseguindo atingi-lo na torre. Seguiu-se um combate desigual; o submarino alemão tinha um poder e alcance de fogo claramente maior que o draga-minas. Após algumas horas de combate, o draga-minas afundava-se (juntamente com o seu comandante, Carvalho Araújo, ferido mortalmente). Algumas semanas depois, os sobreviventes portugueses chegariam ao Açores numa baleeira comandada pelo 1º Tenente Ivens Ferraz (segundo comandante do Augusto Castilho), enquanto o submarino recolheria a Kiel para reparações. Alguns passageiros ingleses que seguiam a bordo do S. Miguel e assistiram àquele combate naval tão desigual, felicitaram o comandante português e homenagearam os marinheiros portugueses, afirmando que eles "eram tão bons como os ingleses" (era o máximo que os ingleses vitorianos conseguiam dizer sobre os estrangeiros).
[4] – O Almirante Mata Oliveira viria a ser Governador de Macau, tendo o seu nome numa rua e numa praça junto ao Clube Militar Naval. As autoridades chinesas não mudaram o nome dessa rua e dessa praça.

5 comentários:

Dinamene disse...

Obrigado, mais uma vez. Sou um pouco mais velho, cinco anos apenas. Nasci em Angola, e estas imagens são uma descoberta, um autêntico achado.

Anónimo disse...

Ola,chamo me Mario.Encontrei o teu site num link do site Ilustraçao Portuguesa.Achei muito interessantes os postais de Sintra,zona onde moro e conheço bem.Sou o unico descendente de uma familia que me fez a desfeita de morrerem.Ficaram os pergaminhos,as fotografias,as historias antigas que infelizmente nunca poderei aprofundar.Nao sei bem por que te escrevo,talvez por que sinto que tu tambem gostas de espreitar o passado.Abraço

CB disse...

Olá. O meu nome é carlos Teixeira . Gostei muito de ver os postais. Pretendo saber se estão à venda. Se estão gostaria de saber o preço de cada um. Interessam-me especialmente os de São Migul, Açores

Unknown disse...

Parabéns pelo teu blog, Marco!
Muito mais do que manteres viva a memória do teu avô, estás a manter viva a memória de uma época, de lugares, de costumes e de tradições que fazem parte do "passado" de todos nós.
Obrigada por partilhares estas preciosidades.
Beijinhos
Elisa Pereira

Anónimo disse...

Boa tarde,
Faço parte de um grupo no facebook que se denomina "Reanimar os Coretos em Portugal" e gostaria de lhe pedir autorização para publicar na nossa página a imagem de um postal onde aparece o Coreto de Águeda (infelizmente extinto). Aguardando a sua autorização apresento os meus cumprimentos.
José António Matos